
Ele não havia dormido um único minuto desde o desembarque no Rio de Janeiro na véspera do Sorteio Preliminar da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014. Mas foi um Bert van Marwijk alerta, afiado, sereno e sempre realista que recebeu a equipe do site oficial da FIFA para uma conversa no hotel em que ficou hospedado na capital carioca em julho.
O técnico da Holanda ainda não conhecia os adversários que a seleção terá de enfrentar para ganhar o direito de defender o título de vice-campeã mundial em solo brasileiro daqui a três anos. Mas o impressionante balanço holandês desde a final perdida na África do Sul justificava o encontro por si só: a Laranja Mecânica de Marwijk é uma verdadeira máquina de vitórias e está prestes a fazer história também nas eliminatórias para a Euro 2012. O segredo desse sucesso quase insolente? O FIFA.com tentou descobrir durante uma entrevista exclusiva com o comandante batavo.
FIFA.com: Há um ano você declarou que o desafio imediato da sua equipe era encontrar motivação após a derrota na decisão do Mundial em Johanesburgo. A trajetória daHolanda no período prova que o obstáculo foi superado com sucesso. Acha que subestimou a capacidade de reação do elenco?Bert van Marwijk: Boa pergunta. Não sei se você lembra, mas apenas duas semanas depois da derrota para a Espanha tínhamos de jogar um amistoso na Ucrânia. Eu não queria jogar aquela partida. Pedimos à federação ucraniana que a adiasse, mas ela não quis. Levei uma equipe B, mas a minha cabeça não estava lá. Eu mesmo não tinha motivação, e não escondi isso. É preciso ser sempre honesto com os jogadores e nunca fingir ou maquiar os sentimentos. Você sabe, quando se sai de uma Copa do Mundo nas oitavas de final ou na fase de grupos, a vontade é de voltar a jogar rapidamente para começar outra coisa e não deixar esfriar. Quando se perde na final a quatro minutos das cobranças de pênaltis, não é o caso. Os jogadores que disputaram o Mundial também não estavam motivados, mas desde 2008 esta equipe aprendeu a ganhar o que quer que seja, com ou sem motivação. Então, sim, talvez eu tenha subestimado essa capacidade nova, a qual me deixa feliz. E depois daquela partida na Ucrânia, os rapazes voltaram aos seus clubes, a temporada recomeçou e, fisicamente, eles estavam muito melhor quando as eliminatórias tiveram início.
A Holanda está invicta nas eliminatórias para a Eurocopa, com seis vitórias em seis jogos. Qual é a nova fonte de motivação da equipe?Repeti sem parar durante a Copa do Mundo: temos uma missão. Quando vi a tranquilidade dos meus jogadores depois da vitória sobre o Brasil, a concentração deles intacta, compreendi que eles sabiam que a missão não havia terminado. Lembro que organizamos uma festinha para comemorar e todos eles me disseram "professor, ainda não terminamos". Agora, nas eliminatórias, não estamos em missão, é diferente. Os jogadores entenderam bem isso. A nossa fonte de motivação é tirar as lições daquela final perdida, capitalizar em cima dessa experiência. Tudo era novidade para os meus jogadores naquele dia, e posso garantir a você que eles aprenderam.
E quanto a você? O seu discurso e o seu método de trabalho mudaram depois da final?Tento ser o mais claro possível com os meus jogadores. A transparência é uma linha de conduta. Quero que eles sejam capazes de entender o meu método, apoiá-lo e aplicá-lo. Para isso, é preciso ser fiel ao seu estilo, não alterá-lo em função do adversário ou do contexto do momento — senão os jogadores não acreditam mais em você e não dá para evoluir. A minha ambição é a evolução constante, ir até o fim da nossa margem de evolução no sistema e no método. Digo a eles o tempo todo que, quando se joga toda vez da mesma forma, com a mesma intensidade, a gente evolui. Caso contrário, só se pode reagir. O segredo é compreender que jamais há garantia de que ganharemos o próximo jogo. É difícil encontrar as palavras para explicar como funciona. Geralmente tenho vontade de dizer aos jornalistas que venham conosco, que nos acompanhem e vejam, observem, porque aí vão entender.
A atitude dos jogadores desde o começo das eliminatórias para a Euro 2012 foi uma surpresa para você?A partida contra a Hungria, olhando agora, foi um grande teste psicológico. Desperdiçamos a chance de fazer 2 a 0 e de repente nos desconcentramos e perdíamos por 2 a 1. Marcamos mais dois gols e voltamos a ficar com o jogo nas mãos, mas os húngaros conseguiram empatar. Eu estava furioso, queria matá-los por terem cedido o empate. Mas eles permaneceram calmos dentro de campo, jogaram o futebol deles sem pânico e acabaram ganhando por 5 a 3. Eu continuava furioso, mas muito orgulhoso. Eles blefaram comigo. Cair na facilidade e no excesso de confiança é algo tipicamente holandês. Era esse o inimigo que eu tinha de combater desde o meu primeiro dia no cargo.
Em que momento você teve a certeza de que o elenco havia assimilado a sua mensagem?Depois de um jogo vem outro e é preciso aprender o tempo todo. A partida contra a Noruega em Roterdã pelas eliminatórias da Copa do Mundo foi uma grande satisfação para mim. Foi a prova de que o meu discurso havia chegado ao grupo. Já estávamos classificados, mas jogamos aquela partida até o fim, sem negligência. Vencemos por 2 a 0 e compreendi que eles haviam compreendido. Existe uma diferença entre acreditar e acreditar de verdade.
O seu saldo é excepcional e até histórico desde que assumiu o comando da seleção, em meados de 2008, com uma final de Mundial e 100% de aproveitamento nas eliminatórias para África do Sul 2010 e para a Eurocopa. Você se dá conta disso tudo? Pensa sobre isso?(Sorri) As pessoas me falam dos recordes, mas, francamente, não penso sobre isso de jeito nenhum. Eu me concentro no nosso futebol e na mentalidade dos meus jogadores. É só isso o que me interessa. O primeiro adversário desta equipe é ela mesma.
A imagem que os outros técnicos têm de você mudou desde a África do Sul?Aprendi a conhecer melhor o Vicente del Bosque, gosto muito dele e é algo recíproco. Demos até uma entrevista juntos após a final. Também tenho muito respeito pelo Marcello Lippi, e hoje sei que ele também me respeita, o que para mim é um elogio enorme. Ele e o Del Bosque conquistaram muito mais coisas do que eu na profissão.
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